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DESAFIOS PARA ADOÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA

DESAFIOS PARA ADOÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA

MBA EXECUTIVO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO ESTRATÉGICOS

Novembro de 2023

DANIEL LÉLIS BAGGIO, Maj Eng

Orientadora: Prof. Me. Luciana Chamon Silveira.

RESUMO

Este estudo mostra uma investigação sobre o progresso e os desafios associados à implementação da Inteligência Artificial (IA) na Força Aérea Brasileira (FAB), ao compará-los com experiências de outras nações, incluindo os Estados Unidos, China, Israel, França e Suécia. Com o intuito de compreender o atual panorama, a pesquisa examinou as estratégias nacionais de IA, a infraestrutura de apoio governamental e o financiamento de IA em contextos de defesa. Para alcançar este propósito, utilizou-se como metodologia a pesquisa exploratória, que consistiu na análise de bibliografias, artigos científicos, políticas, estratégias nacionais e publicações pertinentes nas áreas de estudo correlatas. Os resultados obtidos indicam que os países mencionados têm incorporado a IA em diversas esferas militares, abrangendo desde o aprimoramento de sistemas bélicos até a aplicação em treinamentos baseados em simulação, operações de inteligência, vigilância e reconhecimento, cibersegurança, sistemas autônomos, comando e controle, bem como operações humanitárias de assistência em situações de desastre e logística. No entanto, o estudo sublinha que, no Brasil, há uma notável discrepância entre a abundância de produção acadêmica na área de IA na FAB e sua aplicação prática concreta. Essa discrepância se fundamenta na ausência de uma estratégia militar específica para o emprego da IA, na falta de entidades militares dedicadas à pesquisa e aplicação da IA e no investimento financeiro insuficiente nesse domínio. Consequentemente, o artigo destaca a urgente necessidade de elaboração de uma estratégia nacional para a utilização da IA na Defesa, bem como a criação de organizações militares direcionadas à IA e o incremento substancial dos recursos financeiros destinados a impulsionar iniciativas de pesquisa e desenvolvimento na área da IA. Como contribuição, o estudo proporciona um alicerce sólido para ações futuras, enfatizando o imenso potencial da IA na redefinição das operações militares e da segurança nacional em um cenário em constante evolução. Palavras-chave: Inteligência Artificial (IA); Estratégia Nacional; Defesa; Força Aérea Brasileira (FAB); Cibersegurança

Abstract

This study presents an investigation into the progress and challenges associated with the implementation of Artificial Intelligence (AI) in the Brazilian Air Force (FAB), comparing them with experiences from other nations, including the United States, China, Israel, France, and Sweden. In order to understand the current landscape, the research examined national AI strategies, government support infrastructure, and AI funding in defense contexts. To achieve this purpose, exploratory research methodology was employed, consisting of the analysis of bibliographies, scientific articles, policies, national strategies, and relevant publications in related study areas.

The obtained results indicate that the mentioned countries have incorporated AI in various military spheres, ranging from improving military systems to applications in simulation-based training, intelligence operations, surveillance and reconnaissance, cybersecurity, autonomous systems, command and control, as well as humanitarian assistance operations in disaster situations and logistics. However, the study emphasizes that in Brazil, there is a noticeable discrepancy between the abundance of academic production in the field of AI in the FAB and its concrete practical application. This gap is based on the absence of a specific military strategy for the use of AI, the lack of military entities dedicated to AI research and application, and insufficient financial investment in this domain. Consequently, the article highlights the urgent need for the development of a national strategy for the use of AI in defense, as well as the creation of military organizations focused on AI and a substantial increase in financial resources to boost research and development initiatives in the field of AI. As a contribution, the study provides a solid foundation for future actions, emphasizing the immense potential of AI in redefining military operations and national security in an ever-evolving scenario.

Keywords: Artificial Intelligence (AI); National Strategy; Defense; Brazilian Air Force (FAB); Cybersecurity.

INTRODUÇÃO

A Inteligência Artificial (IA) pode ser compreendida como uma tecnologia de propósitos gerais que busca aprimorar a precisão, velocidade e escala das tomadas de decisão. Nesse sentido, a IA pode substituir ou aprimorar a capacidade humana em tarefas como reconhecimento de padrões, predições e otimização de objetivos, abrangendo uma ampla gama de aplicações. O emprego de IA para auxiliar seres humanos já era tema na ficção científica do autor russo Isaac Asimov, na década de 1950. Em suas obras, ele retratava robôs capazes de realizar cálculos e análises complexas, bem como desempenhar tarefas repetitivas com extrema precisão, superando os seres humanos em termos de memória e conhecimento acumulado. Fora do domínio da ficção, a área da computação testemunhou um notável avanço desses conceitos na segunda metade do século XX, culminando em um programa de computador que conquistou a notável vitória sobre o renomado enxadrista Garry Kasparov, em maio de 1997. No entanto, foi apenas no início da década de 2010 que houve uma explosão de aplicações de Inteligência Artificial, a qual foi possibilitada por uma grande disponibilidade de conjuntos de dados, assim como aumento da capacidade de processamento dos computadores e avanços nas técnicas de aprendizado de máquinas. Nesse período, marcos impressionantes foram alcançados, como a vitória do Watson da IBM sobre humanos no programa “Jeopardy!”, semelhante ao conhecido “Show do Milhão”, em 2011, e o avanço da rede neural AlexNet, em 2012 (Alom et al., 2018), a qual proporcionou um salto no reconhecimento de imagens, abrindo novos horizontes para a visão computacional. Em 2016, um marco notável foi alcançado com o surpreendente triunfo do programa de computador AlphaGo, fundamentado em redes neurais profundas, sobre o campeão mundial de Go, Lee Sedol. O jogo de Go é reconhecido por sua complexidade superior à do xadrez, apresentando um vasto número de possibilidades de jogadas, o que torna sua resolução computacionalmente desafiadora. A vitória do AlphaGo nesse contexto abriu novos horizontes para a utilização de redes neurais profundas em jogos estratégicos, destacando o potencial dessas técnicas avançadas de inteligência artificial na superação de desafios complexos e na demonstração de competências relevantes em domínios anteriormente considerados de difícil alcance. Em seguida, houve uma revolução no processamento de linguagem natural com a arquitetura Transformer, em 2017, e o crescimento das Redes Generativas Adversariais (GANs), possibilitando a geração realista de imagens. Em 2018, o lançamento do modelo GPT da OpenAI se tornou uma referência para tarefas de linguagem. As aplicações de IA se expandiram para diversos setores em 2020, incluindo assistentes virtuais, chatbots, detecção de fraudes e diagnósticos médicos. E, finalmente, em 2022, o ChatGPT da OpenAI revolucionou a interação homem-máquina ao permitir conversas naturais e intrigantes com sistemas de IA. Paralelamente, a IA tem desempenhado um papel significativo na área militar, trazendo avanços e inovações que transformaram a guerra moderna. Drones autônomos e veículos não tripulados, impulsionados por IA, têm aprimorado operações de vigilância, reconhecimento e ataques, com menor intervenção humana. Além disso, robôs de combate e apoio são desenvolvidos para realizar tarefas perigosas em campo, reduzindo riscos para as tropas humanas. A IA também tem contribuído para a tomada de decisões autônomas, analisando grandes volumes de dados para oferecer insights valiosos aos comandantes militares em tempo real. Na segurança cibernética e guerra eletrônica, algoritmos de IA são empregados para detecção e defesa contra ataques cibernéticos e interferências eletrônicas inimigas. A inteligência, vigilância e reconhecimento se beneficiam da IA na análise de informações de diversas fontes, otimizando as capacidades de inteligência militar. Além disso, a IA desempenha um papel essencial na otimização da logística militar, predição de manutenção e simulações de treinamento. Apresentadas as diversas possibilidades de emprego militar de Inteligência Artificial e as grandes vantagens estratégicas advindas de sua exploração, propõe-se o seguinte problema de pesquisa: quais os principais desafios para a plena adoção de Inteligência Artificial na Força Aérea Brasileira? Em função da contextualização apresentada, o objetivo deste estudo foi descobrir quais áreas da inteligência artificial passíveis de emprego militar estão sendo utilizadas na Força Aérea Brasileira, encontrar oportunidades de uso que porventura ainda não tenham sido consideradas e mapear os desafios para o pleno emprego de IA na FAB. Com a finalidade de atingir o objetivo proposto, foram definidos os seguintes objetivos específicos: pesquisar o estado da arte no emprego de IA nas Forças Armadas mundiais; descobrir quais dessas áreas já estão sendo empregadas pela Força Aérea Brasileira; identificar possíveis oportunidades de emprego de IA para a Força Aérea Brasileira que ainda não foram contempladas; identificar as razões que impedem a plena adoção de IA na Força Aérea Brasileira, por meio de comparação com outros países que já obtiveram sucesso nesse programa. Em vista das vantagens militares proporcionadas pelo emprego da IA, a importância que grandes potências têm atribuído a essa tecnologia tem refletido em alterações em suas doutrinas. A China, por exemplo, considera a IA como um fator crítico para o futuro da competição internacional, tanto no âmbito econômico quanto no militar. Da mesma forma, os Estados Unidos estão adotando novas tecnologias relacionadas a sistemas autônomos e IA, promovendo atualizações substanciais em suas doutrinas e estratégias militares. Essa ênfase na IA tem sido uma tendência crescente no cenário mundial. Considerando a relevância da aplicação da Inteligência Artificial em diversos setores nacionais, várias nações têm elaborado suas respectivas Estratégias Nacionais de Inteligência Artificial. Essas estratégias são concebidas com o propósito de estabelecer metas, incentivos e diretrizes que uma nação se compromete a adotar, com o objetivo de impulsionar o avanço tecnológico no campo da IA em prol de seu crescimento socioeconômico. Neste contexto, é pertinente observar que o Brasil, em 2023, embora disponha de uma Estratégia Nacional de Inteligência Artificial, ela não engloba a Defesa, representando uma lacuna importante a ser preenchida. Nesse sentido, o presente estudo tem o potencial de fornecer subsídios para suprir essa deficiência e contribuir para o estabelecimento de uma abordagem militar estratégica em IA no país.

REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção será apresentado o referencial teórico utilizado na pesquisa. Serão introduzidos os principais teóricos de inovação e administração, como Schumpeter, Drucker e Rogers, destacando-se como suas teorias se aplicam à adoção de IA nas Forças Armadas. Em seguida, são apresentadas as fontes para entender-se o estado atual da adoção de IA em diferentes países, como os Estados Unidos, China, França, Israel e Suécia, com ênfase nos desafios e oportunidades enfrentados em cada nação. Além disso, serão referenciadas políticas e documentos estratégicos relacionados à IA nas Forças Armadas, incluindo a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial e a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital. Finalmente, serão identificados estudos semelhantes que contribuem para a compreensão da IA no contexto militar e organizacional, abordando tópicos como armamentos autônomos, adoção de IA em organizações brasileiras, uso de IA em bases de dados de saúde militares e o potencial do aprendizado de máquina no comando e controle.

2.1 Principais Teóricos de Inovação e Administração

A inteligência artificial (IA) é uma tecnologia disruptiva que está transformando a sociedade em diversos setores, incluindo o militar. As Forças Armadas de todo o mundo estão investindo em IA para melhorar sua capacidade de combate, logística, planejamento e tomada de decisão. A adoção de IA nas Forças Armadas é um processo complexo que envolve diversos fatores, como o desenvolvimento tecnológico, os recursos financeiros, as políticas governamentais e as questões éticas. Os teóricos de inovações podem fornecer esclarecimentos importantes para entender esse processo. Peter Drucker (1981) introduziu a ideia da administração por objetivos como um método eficaz para melhorar o desempenho organizacional. Ele argumentou que, em vez de simplesmente administrar atividades e tarefas, os gerentes deveriam estabelecer metas claras e mensuráveis para suas equipes. Drucker enfatizou que os objetivos deveriam ser específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e baseados em um prazo definido (conhecidos como critérios SMART). A administração por objetivos pode ser útil para a adoção de IA nas Forças Armadas. Os objetivos da adoção de IA devem ser claramente definidos e alinhados com as estratégias militares. Isso ajudará a garantir que a IA seja usada de forma eficaz e eficiente. Schumpeter (1984) afirma que as inovações são um processo de "destruição criativa", no qual novas tecnologias destroem antigas formas de produção e criam novas oportunidades de crescimento econômico. A adoção de IA nas Forças Armadas pode ser vista como um processo de destruição criativa. As IAs estão substituindo as tarefas tradicionais realizadas por humanos, como a operação de armas e a análise de dados. Isso está levando a mudanças significativas na organização e na cultura das Forças Armadas. Por outro lado, pode-se considerar a visão da sociologia na difusão de inovações. Segundo Rogers (2003), que desenvolveu um modelo para explicar como as inovações são adotadas por indivíduos e organizações, a adoção de inovações é um processo gradual que ocorre em cinco etapas: conhecimento, interesse, avaliação, decisão e implementação. O modelo de Rogers pode ser aplicado à adoção de IA nas Forças Armadas, uma vez que elas precisam criar um ambiente que incentive o conhecimento, o interesse e a avaliação da IA. Elas também precisam desenvolver políticas que facilitem a decisão e a implementação da IA. Além de Schumpeter, Drucker e Rogers, outros teóricos de inovações também podem fornecer insights sobre a adoção de IA nas Forças Armadas. Por exemplo, o trabalho de Thomas Kuhn sobre a mudança paradigmática pode ajudar a entender como as IAs podem levar a mudanças significativas nas doutrinas e nas práticas militares (Kuhn, 1997). Paralelamente, o trabalho de Clayton Christensen sobre a inovação disruptiva pode ajudar a entender como as IAs podem desbancar as tecnologias tradicionais nas Forças Armadas (Christensen, 1997) . Por fim, pode-se citar o conceito da classe criativa, de Richard Florida, que pode ajudar a entender como a IA pode impulsionar o desenvolvimento de novas habilidades e competências nas Forças Armadas (Florida, 2002).

2.2 Estado da Arte no Emprego de IA nas Forças Armadas

Levando-se em conta o objetivo específico de pesquisar o estado da arte no emprego de IA nas Forças Armadas, foi feito o levantamento bibliográfico das principais publicações que reportaram a adoção de IA pelas Forças Armadas no mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, estão buscando inovação na Defesa e procurando obter vantagens militares por meio da inteligência artificial. Mori (2018) observa que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos está aplicando IA para fins militares, como consciência situacional, operações cibernéticas, logística e sistemas autônomos. No entanto, observa que a introdução real da IA nas redes de combate enfrenta desafios. Por outro lado, Lee (2021), pontua que a China tem como objetivo se tornar líder mundial em IA até 2030 e a vê como crucial para a competição militar futura. Outro país de destaque na adoção de IA é Israel, que é líder no seu emprego na área cibernética, com forte inovação do setor privado e financiamento do governo. Como observado por Sinchana (2020), suas principais áreas de foco em defesa de IA são o reconhecimento automatizado de alvos, sistemas de apoio à decisão e veículos autônomos. Israel colabora com os Estados Unidos em IA, mas também vende tecnologias globalmente, levantando preocupações sobre proliferação. A Suécia fez esforços significativos no campo da inteligência artificial (IA) por meio da intervenção e financiamento do governo, conforme observa Finlan (2023). O país tem como objetivo ser um líder mundial no aproveitamento das oportunidades oferecidas pela transformação digital. O centro nacional de IA aplicada, AI Sweden, incentiva uma ampla gama de atividades relacionadas à IA em toda a sociedade sueca. A Suécia tem um interesse de longa data na IA, e seus pesquisadores de Defesa estavam examinando a ideia já na década de 1980. No entanto, um estudo exploratório da Vinnova, a agência sueca de inovação, avaliou que a pesquisa sueca em IA tem uma competição internacional limitada. No entanto, a Suécia possui consideráveis vantagens em relação a outras nações em termos de digitalização e infraestrutura, o que pode acelerar a adoção de IA no país. O Observatório de Inteligência Artificial na Defesa (DAIO) na Universidade Helmut Schmidt em Hamburgo desempenha um papel fundamental ao monitorar e analisar o uso da inteligência artificial pelas forças armadas. Este observatório faz parte do projeto GhostPlay, que é dedicado ao desenvolvimento de capacidades e tecnologias para aprimorar a tomada de decisões baseada em conceitos e aprimorada por IA no âmbito da defesa, com o objetivo de apoiar operações de defesa ágeis. O projeto é financiado pelo Centro de Pesquisa Digital e Tecnológica das Forças Armadas Alemãs. As publicações do DAIO de Martin (2023), Dolinko (2023), Lee (2023), Finlan (2023) e Kahn (2023) foram consideradas para este estudo. O Brasil tem se destacado por um grande número de publicações acadêmicas em IA nas seguintes áreas: ciberdefesa (Chahud, 2023), (Andrade, 2023), logística (Almeida, 2023), simulação e jogos de guerra (Dantas, 2022b), inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) (Falqueto, 2019), (Dantas, 2022a), sistemas e veículos autônomos (Filho, 2022b), (Filho, 2022a). Os trabalhos serão melhor referenciados na seção de resultados.

2.3 Políticas, Documentos Estratégicos e Adoção de IA nas Forças Armadas

No intuito de responder aos objetivos específicos de descobrir quais áreas de aplicação de IA já estão sendo empregadas pela Força Aérea Brasileira, assim como identificar possíveis oportunidades de IA que ainda não foram contempladas no país, procedeu-se à revisão dos principais documentos estratégicos da área publicados no Brasil. A Política Nacional de Defesa (PND) representa o mais alto nível de orientação para a coordenação das medidas voltadas à proteção da nação contra ameaças vindas do exterior. É o Ministério da Defesa que assume a responsabilidade por executar as ações necessárias para alcançar os propósitos e diretrizes delineados na PND. Para garantir a eficácia dessa capacidade de defesa, Otero (2014) destaca que é imperativo que o progresso tecnológico do país esteja alinhado com as exigências da segurança nacional. Por outro lado, a Estratégia Nacional de Defesa (END) (Brasil, 2020) desempenha um papel crucial ao estabelecer uma conexão entre a posição que o Brasil ocupa no âmbito da segurança e as medidas que as entidades governamentais devem adotar para efetivar essa posição, de modo a atender aos objetivos previamente estabelecidos na PND . Especificamente para o campo de Inteligência Artificial, foi publicada a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) (Brasil, 2021), cujos objetivos são contribuir para o avanço científico e solucionar problemas concretos do país, identificar áreas prioritárias nas quais há maior potencial de obtenção de benefícios, promover a competitividade e o aumento da produtividade brasileira, melhorar a qualidade de vida das pessoas e reduzir as desigualdades sociais, entre outros. Além disso, a EBIA tem como objetivo contribuir para a elaboração de princípios éticos para o desenvolvimento e uso de IA responsáveis . Mais recentemente, foi publicada a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), para o ciclo 2022-2026 (Brasil, 2022). O documento apresenta uma visão geral da iniciativa e descreve algumas das áreas prioritárias de ação, como a expansão da infraestrutura de conectividade, a promoção da inovação e do empreendedorismo digital, a melhoria da eficiência do setor público por meio da transformação digital, a garantia da segurança e privacidade dos dados, entre outras. Este documento ainda relata como resultados do ciclo de 2018 a 2022 o fomento à criação de centros de pesquisa em IA que atuam em ambientes priorizados pela política de CT&I (saúde, indústria, cidades, agro), além de terem foco em pesquisa em IA aplicada à segurança da informação e segurança cibernética, incluindo investigação e concepção de algoritmos, mecanismos e sistemas para a defesa cibernética, aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, segurança e ética, visão computacional e reconhecimento de imagens, redes neurais, sistemas autônomos e robótica.

2.4 Estudos Semelhantes

Foram encontrados trabalhos semelhantes ao deste estudo, embora um deles não seja tão recente e o outro esteja focado na administração pública mais geral. Camargo et. al (2019) apresenta uma análise sobre os principais desenvolvimentos em inteligência artificial (IA) aplicados ao meio militar, incluindo o uso em veículos e sistemas de armamento autônomos, auxílio à logística e administração de recursos, e estimativas de manutenção da frota. Além disso, o artigo revisa as principais políticas adotadas pelos Estados Unidos e China em relação ao desenvolvimento de armamentos autônomos, segurança e implicações sociais e éticas. O artigo também apresenta uma previsão para os desenvolvimentos futuros em IA no contexto militar e uma proposta para uma estratégia nacional brasileira de IA. O objetivo é fornecer informações sobre a corrida armamentista pela IA e suas implicações para a segurança e defesa nacional. Em um escopo mais amplo, ou seja, nas organizações brasileiras, Carvalho et. al (2020) analisa a adoção de robôs com inteligência artificial no panorama organizacional brasileiro, com o objetivo de identificar em qual fase se encontra essa adoção. Os principais achados indicam que um forte movimento de adoção se iniciou no Brasil em 2018, impulsionado por alguns grandes fornecedores de tecnologia avançada, embora os debates sobre os riscos associados à IA ainda estivessem em curso. O estudo destaca a importância de entender em qual estágio de adoção a inteligência artificial está para que estudos sobre as implicações dessa adoção sejam direcionados a fim de visar uma preparação pelas organizações e pela sociedade para as modificações decorrentes. Ainda no campo militar, na área de saúde, Toso (2021) aborda o uso de inteligência artificial em base de dados de saúde militares, apresentando informações sobre como a IA pode ser aplicada nessa área, incluindo sua utilização para melhorar a gestão de dados de saúde em instituições militares, os principais desafios enfrentados na implementação de sistemas de IA em bases de dados de saúde e as principais vantagens da utilização de IA em bases de dados de saúde militares em comparação com métodos tradicionais de análise de dados. Especificamente na área de Comando e Controle, Walsh et. al (2021) explora a viabilidade e utilidade do comando e controle assistido por aprendizado de máquina. O estudo contém uma análise técnica conduzida por uma equipe de especialistas da RAND Corporation, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos e apartidária comprometida com a integridade da pesquisa. O estudo examina as possíveis aplicações do aprendizado de máquina em sistemas de comando e controle, como ele pode melhorar a tomada de decisões e os desafios e limitações para sua implementação. Os autores usam exemplos de xadrez e gerenciamento de sensores para demonstrar sua taxonomia de problemas e protocolo de entrevista estruturada para problemas de Comando e Controle. No geral, o trabalho fornece insights valiosos sobre o papel do aprendizado de máquina no aprimoramento das capacidades de comando e controle.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Para responder ao problema de pesquisa proposto, este artigo adotou uma abordagem de pesquisa exploratória. Essa pesquisa teve como objetivo principal realizar uma revisão abrangente da literatura existente, incluindo bibliografias, artigos científicos, políticas, estratégias nacionais e publicações relevantes nas áreas de estudo pertinentes. Essa abordagem qualitativa buscou proporcionar uma compreensão mais ampla do problema em questão, além de identificar os fatores que influenciam ou contribuem para a ocorrência do fenômeno, como indicado por Gil (2008). Vale ressaltar que essa pesquisa se limitou a fontes de informação já publicadas, não envolvendo investigações de campo ou questionários. Além disso, a pesquisa se apoiou na análise documental, que envolveu a representação do conteúdo original de documentos de maneira contextualizada, transformando as informações para considerar diferentes perspectivas, conforme proposto por Bardin (2016). No decorrer da revisão bibliográfica, foram examinados tópicos relevantes relacionados ao emprego de inteligência artificial no meio militar. Isso incluiu a busca por dados que permitissem estabelecer conexões e relações entre esses tópicos, com o objetivo de apresentar informações sob novas perspectivas, resultando em conclusões e deduções inovadoras. Para uma abordagem mais científica da adoção do emprego de IA nas Forças Armadas, foram introduzidas as principais ideias de teóricos da administração como Schumpeter (1984), Drucker (1981), Rogers (2003), Kuhn (1997) e Florida (2002). Foi então, feita a revisão bibliográfica do estado da arte do uso de IA nas Forças Armadas de diversos países, como visto em Mori (2018), Lee (2021), Sinchana (2020), Martin (2023), Dolinko (2023), Lee (2023), Finlan (2023) e Kahn (2023), já visando-se um dos objetivos específicos do trabalho. Para um melhor entendimento do contexto nacional, procedeu-se, então, à referência das principais políticas e estratégias disponíveis na área, no Brasil, como a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) (Brasil, 2020), a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Brasil, 2021) e a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital) (Brasil, 2022). Ainda, para estudo do orçamento empregado pelas Forças Armadas no Brasil, utilizou-se o Parecer Setorial da Área Temática VIII – Defesa (Vaz, 2022). Também reportou-se grande parte do desenvolvimento acadêmico do uso militar de IA na FAB (Chahud, 2023), (Andrade, 2023), (Almeida, 2023), (Dantas, 2022b), (Falqueto, 2019), (Dantas, 2022a), (Filho, 2022b), (Filho, 2022a). Por fim, foram citados trabalhos com temas diretamente ligados ao do presente artigo, como em (Camargo et. al, 2019), (Carvalho et. al, 2020), (Toso, 2021) e (Walsh et. al, 2021).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 - Estratégias nacionais de Inteligência Artificial

Para que uma nação se comprometa com o avanço da Inteligência Artificial em seu território, é importante que ela defina suas metas, prioridades e incentivos, delineando essa estrutura em um documento formal reconhecido como “Estratégia Nacional de Inteligência Artificial”. A definição dessa estratégia está alinhada com a ideia da administração por objetivos, de Peter Drucker (1981). Assim, várias nações já adotaram essa abordagem por meio de seus órgãos de defesa. Entre elas destacam-se o Departamento de Defesa americano, por meio do documento estratégico “Harnessing AI to Advance Our Security and Prosperity”, em 2018, (Kahn, 2023) e o Exército de Libertação Popular chinês, que, em 2017, publicou o “A Next Generation Artificial Intelligence Development Plan” (China, 2017). O documento estratégico do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD) reconheceu que avanços tecnológicos sempre estiveram na vanguarda de garantir que o país tivesse uma “vantagem competitiva e militar” duradoura, conforme Kahn (2023). O documento também posiciona a IA como uma ferramenta centrada no ser humano que ajudaria o DoD a melhor apoiar e proteger os membros do serviço dos EUA e civis, aprimorar a segurança nacional e criar uma organização mais eficiente e simplificada. A estratégia delineou cinco pilares principais e foi acompanhada pelo recém-criado Centro Conjunto de Inteligência Artificial (JAIC), que tinha o mandato de executar grande parte da visão do DoD e “sincronizar as atividades de IA do DoD para expandir as vantagens das Forças Conjuntas”. Por outro lado, segundo Lee (2023) a China dividiu os objetivos estratégicos de seu plano em três etapas. Até 2020, o país tinha como meta possuir tecnologia e aplicação de IA em sintonia com os níveis avançados globalmente, com a indústria de IA se tornando um novo ponto importante de crescimento econômico. Até 2025, a China visa se tornar um centro de inovação em IA líder mundial, com progressos significativos em teorias básicas, tecnologias-chave e infraestrutura de sistemas para IA. Até 2030, a nação tem como objetivo se tornar um importante centro de inovação em IA no mundo, com a indústria de IA se tornando o principal motor da transformação econômica e o fortalecimento significativo da força nacional geral e da competitividade internacional do país. Ainda, segundo Lee (2023), o plano abrange uma ampla gama de aspectos militares, enfocando a promoção de uma nova geração de tecnologia de Inteligência Artificial (IA) como suporte crucial para a tomada de decisões e comandos, além de aplicações em equipamentos de defesa. Ele também tem como meta orientar o desenvolvimento da tecnologia de IA no âmbito da defesa em direção a aplicações civis, incentivando instituições de pesquisa não militares a se envolver em tarefas essenciais de inovação científica e tecnológica em IA relacionadas à defesa nacional. O plano busca, adicionalmente, impulsionar a rápida incorporação de tecnologias de IA na Defesa. Além disso, procura promover a disseminação global e o compartilhamento aberto de plataformas e bases de inovação científica e tecnológica, com o intuito de estabelecer uma infraestrutura inteligente segura e eficiente. No Brasil, em 2021, o MCTI publicou a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) (Brasil, 2021), sendo dividida em nove eixos temáticos, que incluem legislação, governança, aspectos internacionais, qualificação, força de trabalho, PD&I, aplicações nos setores produtivo e público, assim como segurança pública. O documento destaca a importância da cooperação nacional e internacional em IA e a necessidade de considerar os impactos sociais da IA. A estratégia também enfatiza a importância da ética e da transparência na IA, bem como a necessidade de garantir a privacidade e a proteção de dados. O documento não menciona o emprego de IA na área de Defesa, restringindo-se à segurança pública, em que destaca o potencial da inteligência artificial para auxiliar no combate à violência, como no uso de tecnologias analíticas que permitem às autoridades descobrir ocorrências em tempo real e avaliar quais apresentam maior necessidade de urgência, bem como sistemas de monitoramento com vídeos que podem tornar mais eficaz a fiscalização para combater crimes e tiroteios em massa. Também são destacados, na estratégia, os sistemas de reconhecimento facial, que têm sido utilizados em conjunto com sistemas de circuito fechado de televisão para identificar indivíduos foragidos ou comportamentos criminosos em locais públicos. No entanto, em comparação com outras estratégias de IA de outros países, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial pode ser considerada menos detalhada em alguns aspectos. Por exemplo, o documento não apresenta metas específicas ou prazos para a implementação da estratégia, nem detalha como os recursos serão alocados para a implementação da estratégia. Além disso, também foram explorados os documentos mais recentes da Defesa, como a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), os quais não mencionam, especificamente, o emprego de Inteligência Artificial no meio militar.

4.2 - Estruturas governamentais de amparo a Inteligência Artificial

É importante notar que, para um efetivo desenvolvimento da Inteligência Artificial dentro das forças armadas, além da definição de um documento estratégico bem claro, amparado em metas e prioridades, seja necessário reestruturar as organizações militares. Pode-se observar o exemplo dos Estados Unidos, cujo Departamento de Defesa (DoD) estabeleceu, em 2018, o Joint Artificial Intelligence Center (JAIC) para acelerar o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de IA em todo o setor militar (Kahn, 2023). O JAIC foi criado em resposta ao reconhecimento crescente da importância da IA na segurança nacional e à necessidade de uma abordagem coordenada para o desenvolvimento de IA nas várias ramificações militares, sendo responsável por coordenar os esforços de IA em todo o setor militar e garantir que as tecnologias de IA sejam desenvolvidas de maneira consistente com considerações éticas e legais. Ele trabalha em estreita colaboração com o governo, a indústria e a academia para garantir que as tecnologias de IA sejam desenvolvidas de maneira eficaz. Além disso, ainda segundo Kahn (2023), a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Defesa (DARPA) desempenhou um papel significativo no desenvolvimento do ecossistema de IA nos Estados Unidos. A DARPA está envolvida em pesquisa de IA desde a década de 1950 e continua a liderar a inovação em pesquisa de IA financiando um amplo portfólio de programas de P&D, que variam de pesquisa básica ao desenvolvimento de tecnologia avançada. Em 2018, a DARPA lançou a campanha "AI Next" de mais de US$ 2 bilhões, focando na geração de capacidades robustas e de alta performance de IA de próxima geração. Até a data desta escrita, a DARPA possui mais de 50 projetos relacionados à IA em andamento, abrangendo aplicações que vão desde tornar o aprendizado de máquina mais explicável até o uso de IA para avaliar melhor o fornecimento seguro de minerais críticos. A DARPA é uma contribuidora consistente e fundamental para o ecossistema geral de IA de Defesa, bem como o ecossistema de pesquisa e engenharia de defesa de maneira mais ampla. Em 2022, o Pentágono criou o Chief Digital and Artificial Intelligence Office (CDAO), cuja motivação para criação foi alcançar uma abordagem mais integrada para a IA de Defesa, absorvendo o Centro Conjunto de Inteligência Artificial (JAIC), o Serviço Digital de Defesa (DDS) e o escritório do Chefe de Dados (CDO). A ideia por trás da criação do CDAO era fornecer um escritório centralizado que pudesse supervisionar o desenvolvimento e a implementação de tecnologias de IA em todo o setor militar. O CDAO é responsável por desenvolver e implementar a estratégia de IA do Departamento de Defesa (DoD), que inclui a identificação e priorização de iniciativas de IA, a coordenação de esforços de pesquisa e desenvolvimento de IA e garantir que as tecnologias de IA sejam desenvolvidas e implantadas de maneira consistente com considerações éticas e legais. O CDAO também é responsável por promover a educação e a defesa da IA em todo o DoD para melhorar a compreensão geral da IA em todo o departamento e nas Forças Armadas. No Brasil, tem-se registro de que a única estrutura semelhante recentemente criada foi, em 2010, o Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCiber). Ainda não houve a criação de organizações militares focadas no emprego militar de Inteligência Artificial.

4.3 - Financiamento de Inteligência Artificial

Nos últimos dez anos, os Estados Unidos fizeram investimentos significativos em Inteligência Artificial (IA), com um enfoque especial em seu potencial como um multiplicador de forças para a defesa nacional. Segundo Kahn (2023), o orçamento do governo dos Estados Unidos para o ano fiscal de 2023, sob a administração Biden, solicitou um valor expressivo de US$ 130,1 bilhões destinado à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias emergentes, incluindo a IA. O Departamento de Defesa demonstrou um crescente entusiasmo pela IA e pelas tecnologias emergentes correlatas, com a DARPA investindo aproximadamente US$ 568,4 milhões somente em IA em 2021. Entre os anos fiscais de 2017 e 2021, o governo dos EUA destinou cerca de US$ 50 bilhões para projetos de IA, aprendizado de máquina e tecnologia de autonomia, sendo que a Marinha foi a principal unidade do Departamento de Defesa dos EUA a investir mais em projetos e pesquisas relacionados à IA em 2022. De acordo com o estudo do Observatório de IA na Defesa sobre a França (Martin, 2023), o país alocou um orçamento médio de €100 milhões por ano para seus principais esforços de aquisição, estudos e pesquisa relacionados à IA na Defesa. Essas iniciativas têm como objetivo aproveitar a IA para o processamento maciço de dados e desenvolver uma solução soberana para dados operacionais No âmbito do orçamento do Ministério da Defesa no Brasil para o ano de 2023, conforme estabelecido no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do mesmo ano (Vaz, 2022), observou-se um montante global de R$ 124,4 bilhões, dos quais uma parte substancial, R$ 94,6 bilhões, foi destinada a despesas relacionadas a pessoal e encargos, enquanto uma fração de apenas R$ 10,8 bilhões foi alocada para investimentos. Entre os principais investimentos estão a dotação de R$ 2,9 bilhões para a construção das Corvetas Classe Tamandaré (CCT), R$ 1,3 bilhão para aquisições de aeronaves de caça e sistemas correlatos no âmbito do projeto FX-2, e R$ 804 milhões para a execução do projeto de forças blindadas. Notavelmente, o orçamento não designou recursos específicos para projetos de Inteligência Artificial. Outra fonte relevante de apoio financeiro para iniciativas relacionadas à Inteligência Artificial no contexto do Ministério da Defesa é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que disponibiliza recursos por meio de editais promovidos pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Em 2023, um total de 22 projetos de inovação, conduzidos por 25 empresas brasileiras atuantes na esfera da Defesa, foram aprovados (FINEP, 2023). Dentre esses projetos, três estavam centrados na temática da Inteligência Artificial e tecnologias quânticas para emprego em defesa cibernética, totalizando um investimento conjunto de R$ 238 milhões.

4.4 - Aplicações militares com Inteligência Artificial

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), segundo Kahn (2023), está empenhado em desenvolver uma variedade de capacidades de Inteligência Artificial (IA) para fins de combate, com ênfase nas aplicações baseadas em software. O DoD está empregando a IA para aprimorar a precisão e exatidão de sistemas bélicos já existentes, criar iniciativas de treinamento baseado em simulação e jogos de guerra, bem como melhorar áreas como inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR), cibersegurança, sistemas e veículos autônomos, comando e controle, ajuda em situações de desastre e logística. Embora essas áreas de foco tenham sido categorizadas, a maioria dos projetos de IA para a Defesa atualmente em desenvolvimento podem ser integrados ou adaptados para diversas aplicações e missões, como diferentes plataformas ou para uso por diferentes serviços militares. Segundo Dolinko (2023), as principais aplicações de Israel em Inteligência Artificial no contexto de defesa incluem sistemas tripulados e não tripulados, defesa aérea, guerra cibernética, logística, coleta de inteligência e comando e controle. As notáveis capacidades e aplicações de Israel no campo da inteligência desempenharam um papel fundamental em sucessos militares recentes, consolidando ainda mais sua posição como líder em IA. Além disso, a implementação de IA por Israel ultrapassa suas áreas tradicionais de expertise e abrange uma ampla gama de aplicações que contribuíram significativamente para seus sucessos militares em operações recentes, como as conduzidas contra o Hamas em Gaza. Por outro lado, na Suécia, segundo Finlan (2023), a Inteligência Artificial poderia ter um impacto significativo na vigilância, um dos desafios de longa data enfrentados pelas Forças Armadas Suecas. O vasto território escassamente povoado da Suécia torna a vigilância uma tarefa complicada, mas a IA poderia auxiliar na superação de alguns desses desafios. A indústria de Defesa da Suécia, em particular a empresa Saab, encontra-se na vanguarda da Inteligência Artificial (IA) com finalidades militares. O ecossistema de IA sueco é altamente avançado e digitalmente interconectado, o que o torna um ambiente ideal para o florescimento da IA. A Agência de Pesquisa em Defesa da Suécia já realizou grande parte do trabalho conceitual inicial no que se refere à aplicação da IA para fins de defesa. A posse de uma indústria nacional de defesa com um ambiente de pesquisa dinâmico irá mitigar qualquer resistência organizacional interna das Forças Armadas à adoção da IA. A parceria natural entre o campo da cibersegurança e as plataformas autônomas indica que a demanda por expertise em IA nas Forças Armadas provavelmente aumentará. Na Força Aérea Brasileira, pode-se verificar a intenção do emprego de Inteligência Artificial, por meio das publicações acadêmicas, como as que foram divulgadas no Simpósio de Aplicações Operacionais em Áreas de Defesa (SIGE), a produção científica de seus institutos, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), o Instituto de Logística da Aeronáutica (ILA), o Instituto de Estudos Avançados (IEAv) e o Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA), e demais congressos. As publicações científicas da FAB varrem diversas áreas de emprego de Inteligência Artificial. Podem-se destacar os seguintes trabalhos, nas principais áreas: Ciberdefesa: SAUCY SPICE: uma nova abordagem eficiente para a detecção de malwares baseada em assinatura (Chahud, 2023), Primeiros passos na identificação de packers utilizando assinaturas semânticas (Andrade, 2023) Logística: Uso de técnicas de aprendizado de máquina com base em código da linguagem Python para classificar dados de falhas do banco de dados da Força Aérea Brasileira (Almeida, 2023); Simulação e jogos de guerra: ASA: um ambiente de simulação para avaliar cenários operacionais militares (Dantas, 2022b); Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (ISR): Reconhecimento de plataforma de petróleo usando rede neural convolucional em imagens SAR do Sentinel-1 (Falqueto, 2019) e Localização aérea por descritores locais de imagem baseados em inteligência artificial (Dantas, 2022a); Sistemas e veículos autônomos: Planejamento de missões de UAV marítimo com restrição de tempo usando uma rede neural: uma visão operacional (Filho, 2022b) e Otimização da formação tática de veículos aéreos não tripulados em jogos de guerra (Filho, 2022a). Além do grande número de contribuições acadêmicas em diversas áreas de emprego da inteligência artificial, é importante mencionar que o Centro de Computação da Aeronáutica de Brasília (CCA-BR) (Força Aérea Brasileira, 2020), já utiliza o software de antivírus Kaspersky, o qual adota técnicas de Inteligência Artificial para Ciberdefesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dadas as grandes vantagens militares advindas do emprego de Inteligência Artificial nas Forças Armadas, o objetivo dessa pesquisa foi mapear os principais desafios para a plena adoção de Inteligência Artificial na Força Aérea Brasileira. Para isso, como benchmarking, pesquisou-se o estado da arte no emprego de IA nas Forças Armadas mundiais, comparando-o com o atual emprego de IA na FAB, identificando lacunas que poderiam ser exploradas. E, como forma de atingir esse objetivo, identificaram-se as razões que impedem a sua plena adoção, por meio de comparação com outros países que já obtiveram sucesso nesse programa. Os resultados obtidos de ampla pesquisa documental demonstraram que países como EUA, China, Israel, França e Suécia já adotam soluções de IA para aprimorar a precisão e exatidão de sistemas bélicos existentes, criar iniciativas de treinamento baseado em simulação e jogos de guerra, bem como melhorar áreas como inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR), cibersegurança, sistemas e veículos autônomos, comando e controle, ajuda em situações de desastre e logística. Com relação aos empregos de IA na FAB, identificou-se apenas o emprego de técnicas em cibersegurança, embora haja uma gama de publicações acadêmicas nos campos de ciberdefesa, logística, simulação e jogos de guerra, inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR), sistemas e veículos autônomos. Assim, identificou-se uma grande lacuna entre o meio acadêmico e o real emprego de IA na FAB. Entre as razões que têm impedido a FAB de alcançar esse pleno emprego, em comparação com os países estudados, identificaram-se as seguintes: Não há uma estratégia militar de emprego de IA publicada pelos órgãos de Defesa: no Brasil, há apenas a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), publicada em 2021, pelo MCTI, que cita IA apenas para segurança. Essa estratégia já havia sido definida nos países estudados entre 2017 e 2018; Não houve a criação de órgãos militares focados em IA. O Departamento de Defesa (DoD) americano já havia estabelecido, em 2018, o Joint Artificial Intelligence Center (JAIC) para adoção de tecnologias de IA em todo o setor militar; Não há fomento ao desenvolvimento de aplicações militares por meio da Defesa: enquanto os EUA investiram U$ 50 bilhões em projetos de IA, a maior iniciativa no Brasil ocorreu por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, totalizando R$ 238 milhões. Dessa forma, pode-se concluir, que o objetivo da pesquisa, de mapear os principais desafios para a plena adoção de IA na FAB, foi alcançado, identificando-se que a ausência de uma estratégia de Defesa para emprego de IA, a inexistência de institutos militares focados em IA e o baixo investimento nessa área constituem os maiores desafios para sua adoção, embora haja um grande número de publicações acadêmicas brasileiras. A criação de agências dedicadas e esforços de colaboração entre governo, indústria e academia são fundamentais para alcançar o sucesso nesse campo. Por tratar-se de um assunto em constante evolução, sugere-se que este estudo seja atualizado futuramente, possivelmente em função da criação da estratégia brasileira de IA na Defesa, assim como em decorrência de um maior número de projetos fomentados nessa área. Como contribuição, este estudo pode servir de base para a criação da estratégia nacional de IA para a Defesa, assim como direcionar a criação de organizações militares focadas em IA, ou mesmo motivar orçamento específico para área em 2024, assim como editais para pesquisas nas principais áreas identificadas como lacunas para a exploração de IA na FAB. Embora possa haver variações no nível de integração e nos investimentos em IA entre diferentes países, a tendência global é clara: a IA está se tornando parte integrante das estratégias de defesa modernas e suas aplicações têm o potencial de remodelar operações militares e a segurança nacional.

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